A PEDRA NA BEIRADA DO RIO

     Volto a pedra na beirada do rio, ela é o meu divã, e a natureza o terapeuta. Chego sozinho e nela me sento. Como é bom estar aqui! No alto da pedra me acomodo contemplando a paisagem natural. Aqui nada foi construído pelo pensamento e mão do homem, e em tudo que observo uma sabedoria superior se torna evidente. Chego turbulento, agitado pelos mesmos problemas pelos quais todos nós sofremos como indivíduos da sociedade dita moderna. Mas, aqui sentado na pedra da beirada do rio, logo a terapia começa a operar e serenamente calmo me reestabeleço.

    O rio nesse recanto se faz remanso de águas engolfadas que parecem não correr. Nas duas margens observo flores de plantas aquáticas brancas e amarelas, belamente a flutuar sobre as águas. Elas nascem submersas no leito lodoso do rio, e crescendo rompem a superfície do espelho d’água ainda em botão, para finalmente desabrocharem em flor de pureza imaculada. São elas conhecidas como baronesas e nenúfares, responsáveis pela jardinagem das águas do rio. As baronesas com suas raízes flutuantes habitam o meio mais profundo, enquanto os nenúfares, sem disputa de espaço, tomam seu lugar nas margens de águas mais rasas. 

    A pedra começa em terra firme, submergindo das entranhas escuras do subsolo, e com dureza e peso, força as águas do rio a lhe dá espaço.  Metade do monólito repousa em terra firme, e a outra metade dentro d’água, ficando seu topo dois metros acima da superfície. No entorno desse sagrado recanto de natureza selvagem, o solo em declive se faz base de sustentação para a vegetação ciliar típica de caatinga, e como parte da flora local, o juazeiro, nascido na ribanceira do rio, lança teto de sombra sobre a pedra, tornando o local agradável de se estar.

    Me ponho em pé no alto da pedra, e a uso como mirante para clicar algumas fotos da paisagem. No silêncio da natureza, atento a tudo, respiro profundo e contemplo de onde o rio vem, inverto meu olhar, e divagando imagino para onde o rio vai. Volto a mim sentar na pedra. Restabelecido e em paz, compreendendo que a vida em si é boa, e em particular, agora na minha vida tudo estar em seu lugar.

     Estranho momento se torna presente: uma entidade invisível se manifesta envolvendo todo o ambiente natural, aparecendo e desaparecendo em momentos alternados. Na sua presença a vegetação no meu entorno se agita, as galhas das árvores balançam e as folhas tremulam. A areia na superfície da pedra é varrida, e também farfalham as folhas seca que forram o solo da caatinga. A entidade invisível dialoga com o visível.

     Na pedra permaneço sentado, e quieto por dentro contemplo a eternidade do momento. Sinto leve brisa na face. O vento, a entidade invisível, não me apresenta rosto nem corpo. Não é palpável, não pode ser medido, não tem forma, textura nem cor, porque não há materialidade visível nele. Porém, é impossível negar sua existência. Dizem em outras terras, que o vento, quando zangado, rindo se torna tornado, acoitando pelos ares elementos de realidade concreta. Ele, assim como Deus, é sobrenatural, ele, assim como deus, mesmo não sendo objeto de culto, atua no mundo. 

    Sentado na pedra insisto quieto e finco raízes na dureza do monólito, já meditante feito monge monástico. Dentro de mim ruptura acontecem, entre o Eu da cidade e o Eu sentado na pedra. Aqui eu vivo, lá sobrevivo. Despersonalizo-me e esqueço quem sou, sem máscaras me observo. Vejo as árvores e toda flora que me circunda, sinto a pedra e ouço canto de passarinhos. No rio aves aquáticas passeiam por cima das baronesas como se fosse em terra firme, e bicando larvas de insetos entoam canto de colheita. Observo o lagarto de lajedo, esguio e arisco, curioso e temeroso com a minha presença. Assumo a culpa pelo seu medo e tento amizade.

      Agora, já todo envolvido e dissolvido na natureza, sentado em pensamento sobre a pedra na beirada do rio, saboreio na pele o sol morno da manhã de setembro. Me torno imensamente amplo e tudo cabe dentro de mim: o rio, a pedra, os pássaros e as árvores. Sou a flor de nenúfar que flutuando dança sobre as águas, sou o lagarto e o acoite do vento. Rastreando as pegadas de Francisco unifico tudo dentro de mim, e entoando o cântico universal das criaturas me torno uno com tudo ao meu redor, porque na realidade não há separação entre o homem e a natureza, ambos em essência são uma coisa só, uma mesma realidade moldada em formas diversas. Agora tudo é Um.

    De toda fauna e flora, água, pedra e vento que acolhi dentro de mim, só não mais há lugar para grilos, porque esses foram resolvidos. Toda agonia de antes afundei nas águas engolfadas do rio. Não precisamos de psicanálise nem remédio tarja preta quando grilados ficarmos. A natureza é psicoterápica e não cobra ônus, é só ir ao seu encontro. Mas é preciso que você se envolva, soltando-se livre em completa entrega ao momento presente e contemplativo. 

   Quando for ao encontro da natureza em caminhada, acima de qualquer problema que esteja vivendo, reverencie a potência de vida que habita você, e em extensão, desenvolva sentimento de amor, unidade e irmandade para com toda a diversidade de animais e plantas presentes no seu entorno. Quando em fuga da cidade, consumido pela rotina de deveres e afazeres for a pedra na beirada do rio, comece deixando a cidade e seus ruídos na cidade, não os leve consigo. Agora caminhante e mais confiante deixarei o rio e a pedra, leve como pluma voltarei para casa, ou seria minha casa onde já estou. As demandas da vida em sociedade nos causa mal-estar e nos afasta daquilo que realmente somos.

Em homenagem a Daizy Mota, minha irmã, que em seus momentos de grilos, vem praticando a calma andando pela natureza, e junto comigo esteve sentada na pedra da beirada do rio.

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